The Days of Venice
(english translation)
In the first days of August of 1997, the Italian periodicals detached the strange case of the Albanian who was shot, in the bed of a hospital, by three strangers who succeded in escaping. The Madredeus, lodged in a discrete hotel of Venice among infinite hordes of tourists came from the five continents, submitted themselves to a spartan discipline of work. Daily, at 9 o'clock, the taxi-boat came at the docks of the hotel to carry them to the place where they would have been embarked on a minibus to be deposited at the gate of the Condulmer studios, in Zorban di Mogliano, some kilometers away. There, in the middle of a forest of walnuts, they made sessions of work of twelve hours, interpolated by the meals that the cook Umbrilla prepared. The return to the hotel happened for the midnight, the time for eight hours of sleep, or for a fast visit to the Piazza San Marco, and to the chamber orchestras that played there until to one of the morning. Which of them was best? For the people who arrived there for 00h30 it was always the one that had more public to attend.
It was in this routine that the Madredeus recorded what it would come to be the album "O Paraíso", after two weeks of transalpine tour to twirl the new repertoire and the new formation. The absolute accuracy that the work demanded for each one of the notes in each one of the instruments, the patience and concentration associated to it, motivated distinct behaviors and the necessity of the five musicians to feel comfortable as much as possible. All of them were guided by the ear: they played simultaneously, but they were spread by the building. Carlos Maria Trindade created in the cellar his proper space: a comfortable chair, the synthesizers, the Power Mac computer, the cables duly coupled to the processors of effect, the ash tray, scarce surrounding light and an oil lamp pointed towards the keyboard. In the ample room of the first floor, with great windows and a wooden truss, the guitarists sat down, in triangular formation, with Pedro placed in order to be able to see Teresa Salgueiro beyond the glass wall of the contiguous room. Fernando Júdice was next to one of the windows; just-fond of the group, he didn't participate in the composition of the material, and continued to discover where to incase his sound. José Peixoto had chosen an high chair, where he seated bare-footed. From time to time he massaged his feet on a wooden mat of spheres. One complained that, for him, the hours in the mornings were much more producing than the ones of the afternoons - from the middle of the afternoon, the fingers left to obey to him.
From behind the consoles was Jorge Barata, who too joined recently. António Pinero Da Silva, the man who was behind the sound of Madredeus since " Existir", ceased his contribution with the Madredeus and works now with Dulce Pontes. Barata, a veteran of good part of Portuguese music, worked in the last years with Dulce Pontes - until being invited to come to the Madredeus. Months before, necessarily the 14 of June, Pedro Ayres explained me in Évora as it would go to be the first studio album of Madredeus without cello and accordion, with a totally different instrumentation and sound in respect to the previous albums; in short, without network and in one year of great international commitments: "My ideia is to make a new concert that has to be like a new film of the same director or producer, I only want to be so happy in the technical part, of the musical execution, as I we were with the new repertoire, which left me sufficiently satisfied. I imagine it as a painter imagines a family of painting at an exhibition - they will correspond to a period, or a collective direction, or a speech produced at the same time. Or to the use of determined material. In the songs that we made, there is a great group that I think belong to a world-wide universe of music, because of the way in which they are played; one another group of songs continues to mention certain poetical attitudes of the Portuguese popular song. And these songs can be matched in a concept. To sing one and later another corresponds to a succession of definite pictures ". During the sessions in the Condulmer, Pedro still kept the disposal to convince the publishing company to publish two albums in simultaneous - one intitled "Agora" and the other "O Paraíso"
Their discipline of work gave results: the material was entirely recorded (Peixoto and Júdice obtained to return home two days before the one that was foreseen). But the publishing idea did not have success and the album, with a beautiful cover of Daniel Blaufuks, finished for congregating both the trends, as well as the two songs that gave them the title. Five of the remaining subjects passed to be included in the 1997/1998 concerts and had been published in the latest year in the double CD "O Porto", record of a concert that the group still today celebrates as perfect and immaculate: "Everything is in its better. When we hear that concert for the first time, nobody wanted to believe".Jorge P. Pires
from the magazine "Revista - Expresso"
(portuguese original version)
Nos primeiros dias de Agosto de 1997, os jornais italianos destacavam o estranho caso do albanês que fora alvejado a tiro, na cama de um hospital, por três desconhecidos que se haviam posto em fuga. Os Madredeus, alojados num discreto hotel de Veneza por entre hordas infindas de turistas vindos dos cinco continentes, submetiam-se a uma espartana disciplina de trabalho. Diariamente, pelas 9h00, o táxi-barco vinha buscá-los ao cais do hotel para os transportar até ao local onde eram embarcados em minibus para finalmente serem depositados à porta dos estúdios Condulmer, em Zorban di Mogliano, a alguns quilómetros. Ali, no meio de um bosque de nogueiras, seguiam-se sessões de trabalho de doze horas, entrecortadas pelas refeições que a cozinheira Umbrilla preparava. O regresso ao hotel acontecia pela meia-noite, a tempo de oito horas de sono, ou de uma visita rápida aos últimos serviços das esplanadas na Praça de São Marcos, e das orquestras de câmara que ali actuavam até à uma da manhã. Qual delas era a melhor? Para quem ali chegava pelas 00h30 era sempre a que tinha mais público a assistir.
Foi nessa rotina que os Madredeus gravaram o que viria a ser o álbum «O Paraíso», após duas semanas de digressão transalpina para rodarem o novo reportório e a nova formação. A precisão absoluta que o trabalho exigia para cada uma das notas em cada um dos instrumentos, a paciência e concentração a ela associadas, motivavam comportamentos distintos e a necessidade de os cinco músicos se sentirem tão confortáveis quanto possível. Todos se guiavam pelo ouvido: tocavam em simultâneo, mas estavam espalhados pelo edifício. Carlos Maria Trindade criara na cave o seu próprio espaço: uma cadeira confortável, os sintetizadores, o computador Power Mac, os cabos devidamente acoplados aos processadores de efeitos, o cinzeiro, escassa luz ambiente e um candeeiro apontado para o teclado. Na sala ampla do primeiro andar, com grandes janelas e travejamento em madeira, sentavam-se os guitarristas, em formação triangular, com Pedro colocado de modo a poder ver Teresa Salgueiro pela parede de vidro da sala contígua. Fernando Júdice ficara junto a uma das janelas; recém-chegado ao grupo, não participara na composição do material, e continuava a descobrir onde encaixar o seu som. José Peixoto tinha escolhido uma cadeira alta, onde se sentava descalço. De vez em quando massajava os pés sobre uma esteira de esferas de madeira. Queixava-se de que, para ele, as manhãs de gravação rendiam muito mais do que as tardes - a partir do meio da tarde, os dedos deixavam de lhe obedecer. No rés do chão, por detrás da consola, estava Jorge Barata, também ele chegado há pouco. António Pinheiro da Silva, o homem que estivera por detrás do som dos Madredeus desde «Existir», também cessara a sua colaboração com os Madredeus e trabalhava agora com Dulce Pontes. Barata, um veterano de boa parte da música portuguesa, trabalhara nos últimos anos com Dulce Pontes &150; até ser convidado a vir para os Madredeus.
Uns meses antes, precisamente a 14 de Junho, Pedro Ayres explicava-me em Évora como iria ser o primeiro disco de estúdio dos Madredeus &150; e o seu futuro - sem violoncelo e sem acordeão, com uma instrumentação e um som totalmente diferentes dos discos anteriores; em suma, sem rede e num ano de grandes compromissos internacionais: «A minha ideia é fazer um novo concerto que seja como que um novo filme do mesmo realizador, ou da mesma produtora. Só quero ser tão feliz na parte técnica, da execução musical que se avizinha, como o fomos com o novo reportório, que me deixou bastante satisfeito. Eu imagino isto como um pintor imagina uma família de quadros para cada exposição - corresponderão a um período, ou a um sentido colectivo, ou a um discurso produzido na mesma época. Ou ao uso de determinados materiais. Nos temas que fizemos, há um grande grupo de canções que eu penso pertencerem a um universo mundial da música, pela forma como são tocadas; um outro grupo de canções continua a referir-se a certas atitudes poéticas da canção popular portuguesa. E estas canções podem ser unidas num conceito. Cantar uma e depois a outra corresponde a uma sucessão de imagens definidas».
Durante as sessões no Condulmer, Pedro mantinha ainda a disposição de convencer a editora a publicar dois discos em simultâneo &150; um intitulado «Agora» e o outro «O Paraíso». A disciplina de trabalho deu resultado: gravou-se todo o material (Peixoto e Júdice conseguiram mesmo regressar a casa dois dias antes do que estava previsto). Mas a ideia editorial não teve sequência e o álbum, com uma bela capa de Daniel Blaufuks, acabou por reunir ambas as tendências, bem como as duas canções que lhes davam título. Cinco dos temas restantes passaram a ser incluídas nos concertos de 1997/1998 e foram publicados no ano passado no duplo CD «O Porto», registo de um concerto que a banda ainda hoje celebra como perfeito e imaculado: «Tudo está no seu melhor. Quando ouvimos aquela gravação pela primeira vez, ninguém queria acreditar».Jorge P. Pires
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Madredeus - O Porto