The Spirit of Fado

 


photo by Sérgio Freitas

(english translation)

The idea of a closed circuit exactly associates many times to the world of the fado, with a tenacious resistance to the innovation or to the fast introduction of new elements within the canons of the tradition. And the truth is that there are many good reasons to consider this world in this: not to gofar , Marceneiro, in the beginning, was not properly well received, and, Amália, when she started to sing the compositions of Alan Oulman, was the object of the critics that accused her " to deprive the fado of its characteristics ".

A thing is definitively certain: in A Guitarra e outras mulheres the spirit of the authentic fado hangs a thousand times stronger than in the majority of the places where, for mere tourist consumption, if it played a music with the same name. And, if possible, with additional scandalous substance, sufficiently more explosive: not only the voices of the Portuguese Teresa Salgueiro, Filipa Pais, Marta Dias and Sofia Varela and of the Brazilians the Elba Ramalho and Nina Miranda do not present the "pedigree" that the fundamentalists habitually request but , for the accomplishment of the album, has been convoked a detachment of musicians from the cream of the " downtown " vanguard of New York and nearby.

To know: Greg Cohen (of the crew of Tom Waits and Laurie Anderson but also heard at the side of Carlinhos Brown, Arto Lindsay, David Byrne, Dagmar Krause, Caetano Veloso, Elvis Costello, Randy Newman, Tricky, Bill Frisell or Lou Reed), responsible for the arrangments of the strings and the brasses, accompanied by the violin of Eyvind Kang (to confer with the seita of John Zorn), by Peter Scherer with the " mellotron " and " optigon ", Vinícius Cantuária (with a seven strings guitar and percussion), Pamelia Stickney (theremin), Charlie Giordano (bass accordion), Shawn Pelton (battery) and a trio of brasses constituted by Ken Peplowski (clarinet), Marty Ehrlich (bass clarinet) and Joel Helleny (trombone).

It is really important to say that any one of these feminine voices - to the side of the emblematic presence of the guitar of Lisbon and the compositions of António Chainho - makes a lot for the survival and vitality of the fadist tradition as Marceneiro, Amália, Teresa de Noronha, Carlos Ramos and Lucília do Carmo made at their times, or Camané and the guitarist Ricardo Rocha today. It is not essential to have lived in the side streets of Alfama or of the Mouraria to meet an affinity with the spirit of the fado; the truth is that by listening to Teresa Salgueiro in "A sombra" and " Fado da Boa Sina " makes us desire that she abandons forever the cerimonious water-of-roses of Madredeus. And it is just an example. Because, apart from that, the delicious nostalgia of Filipa Pais in " Fado da Desistencia" (with shining fado rooted lyrics by Hélia Correia), the ironic interpretation of Marta Dias in the "Fadinho Simples" (with perfect counterpoint in the superior intelligence of the arrangment) or the rigorous obedience to the origins of Sofia Varela in "Tenho Ruas no Meu Peito" demonstrate with clarity that, independently of the eternal complaints on the greater or minor " authenticity " of the fado-fado or the fado-song, this is, without any doubt, one of the points where, currently, the fado persists and renews. And, along the path, it will not be less curious to inquire the paths for where leads the tropical sensuality of Elba Ramalho in " Juntei-me à Voz Verdadeira " or the unexpected approach to morna of Nina Miranda who, of the Smoke City - guided for the violin of Eyvind Kang and with lyrics interpolated in English -, with "Nossa Musica", arrives for miracle to the margins of Cabo Verde.

If we could expect from Chainho the eclectic virtuosism with a soul that he created (and it is absolutely present in «Percursos», «Guitarra sem Fronteiras», «Valsinha Mandada», «Notas Marítimas» e «Improviso em Si Menor "), the great news is the extraordinary empathy found among his compositions and the participation of the New York brigade, as if, since always, had coexisted side by side. The arrangments limits, discretely, to underline and to enrich the melodies and the lyrics of other directions (it is already a rumor that António Chainho converted the North American musicians the seduction of the fado), evoking other ages as they introduce subliminal dissonances, and the final result finishes for being one of those decisive contributions that, as the albums of the Gaiteiros de Lisboa, of O Ó Que Som Tem, of Camané or of Amélia Muge, invents today a new vocabulary for the Portuguese root music.


For providencial intervention of the producer Bruce Swedien, there is the possibility of the candidacy of A Sombra e outras Mulheres to a Grammy. That would be entirely right and appropriate, if it was not for the proverbial trend of this award to award lesser works and of easy consumption...

João Lisboa
JORNAL EXPRESSO


(portuguese original version)

ASSOCIA-SE muitas vezes ao mundo do fado a ideia de um circuito fechado sobre si mesmo com uma tenaz resistência à inovação ou à mais ligeira introdução de elementos que interfiram com os cânones da tradição. E a verdade é que há, de facto, muito boas razões para que esse universo seja encarado dessa forma: para não ir mais longe, Marceneiro, no início, não foi propriamente bem acolhido, e, mesmo Amália, quando começou a cantar as composições de Alan Oulman, não deixou de ser objecto das críticas que a acusavam de «descaracterizar» o fado.
Vai ser interessante observar a forma como os incondicionais da ortodoxia vão receber este magnífico disco do guitarrista António Chainho, acompanhado de seis vozes femininas que, na sua maioria, não descendem de qualquer «legitimidade fadista» por eles aprovada. E, já agora também, tentar verificar quantos estarão receptivos à sábia sugestão de Rui Vieira Nery (formulada durante a apresentação pública do álbum no Palácio de Fronteira), segundo a qual, perante música desta dimensão, será, evidentemente, sensato não perder tempo a discutir se se trata ou não de fado.
Uma coisa é definitivamente certa: em A Guitarra e Outras Mulheres - do título à atmosfera profunda de todos os temas - paira mil vezes mais o espírito do fado autêntico do que na maioria dos locais onde, para mero consumo turístico, se serve uma música com o mesmo nome. E, se possível, com matéria escandalosa adicional bastante mais explosiva: não só as vozes das portuguesas Teresa Salgueiro, Filipa Pais, Marta Dias e Sofia Varela e das brasileiras Elba Ramalho e Nina Miranda não apresentam o «pedigree» que os fundamentalistas habitualmente reclamam como, para a realização do disco, foi convocado um destacamento de músicos conotados com a nata da vanguarda «downtown» de Nova Iorque e adjacências. A saber: Greg Cohen (da tribo de Tom Waits e Laurie Anderson mas também ouvido ao lado de Carlinhos Brown, Arto Lindsay, David Byrne, Dagmar Krause, Caetano Veloso, Elvis Costello, Randy Newman, Tricky, Bill Frisell ou Lou Reed), responsável pelos arranjos de cordas e metais, acompanhado pelo violino de Eyvind Kang (conferir com a seita de John Zorn), por Peter Scherer (é favor cruzar as referências anteriores) em «mellotron» e «optigon», Vinícius Cantuária (em guitarra de sete cordas e percussão), Pamelia Stickney (theremin), Charlie Giordano (acordeão baixo), Shawn Pelton (bateria) e um trio de sopros constituído por Ken Peplowski (clarinete), Marty Ehrlich (clarinete baixo) e Joel Helleny (trombone).
É realmente importante dizer que qualquer uma destas vozes femininas - ao lado da presença emblemática da guitarra de Lisboa e das composições de António Chainho - faz tanto pela sobrevivência e vitalidade da tradição fadista quanto o fizeram Marceneiro, Amália, Teresa de Noronha, Carlos Ramos e Lucília do Carmo ou o fazem, hoje, Camané e o guitarrista Ricardo Rocha. Não é imprescindível ter vivido nas vielas de Alfama ou da Mouraria para se encontrar uma afinidade com o espírito do fado e a verdade é que escutar Teresa Salgueiro cantando «Sombra e Nada Mais» e «Fado da Boa Sina» faz apetecer que ela abandone de uma vez por todas a cerimoniosa água-de-rosas-de-salão dos Madredeus. É só um exemplo. Porque, para além disso, a deliciosa nostalgia retro de Filipa Pais em «Fado da Desistência» (sobre um brilhante texto enraizadamente fadista de Hélia Correia), a irónica interpretação de Marta Dias no «Fadinho Simples» (com perfeitíssimo contraponto na superior inteligência do arranjo) ou a rigorosa obediência às origens de Sofia Varela em «Tenho Ruas no Meu Peito» demonstram com clareza como, independentemente das eternas querelas sobre a maior ou menor «autenticidade» do fado-fado sobre o fado-canção, este é, indiscutivelmente, um dos lugares onde, actualmente, o fado persiste e se renova. E, de caminho, não será também menos curioso averiguar os caminhos para onde conduzem a sensualidade tropical de Elba Ramalho em «Juntei-me à Voz Verdadeira» ou a inesperada aproximação à morna de Nina Miranda que, dos Smoke City - guiada pelo violino de Eyvind Kang e com texto interpolado em inglês -, com «Nossa Música», aporta por milagre às margens de Cabo Verde.
Se do próprio Chainho se haveria naturalmente de esperar o ecléctico virtuosismo com alma que criou (e ele está absolutamente presente em «Percursos», «Guitarra sem Fronteiras», «Valsinha Mandada», «Notas Marítimas» e «Improviso em Si Menor»), a grande notícia é a extraordinária empatia encontrada entre as suas composições e as participações da brigada nova-iorquina, como se, desde sempre, tivessem coexistido lado a lado. Os arranjos limitam-se, discretamente, a sublinhar e enriquecer de outros sentidos melodias e textos (dir-se-ia que António Chainho converteu os músicos norte-americanos à sedução do fado), tanto evocam outras eras como introduzem dissonâncias subliminares, e o resultado final acaba por ser uma daquelas contribuições decisivas que, como os discos dos Gaiteiros de Lisboa, de O Ó Que Som Tem, de Camané ou de Amélia Muge, inventam hoje um novo vocabulário para a música de raiz portuguesa.
Por intervenção providencial do produtor Bruce Swedien, fala-se já na possibilidade da candidatura de A Guitarra e Outras Mulheres a um Grammy. Que seria inteiramente justo e apropriado, não fosse a proverbial tendência desse prémio para galardoar obras menores e de consumo fácil...

João Lisboa
JORNAL EXPRESSO



   

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